A Dor de Não Saber Mais o Que se Quer
I. O vazio como sintoma de maturidade
Poucas dores são tão silenciosamente devastadoras quanto a de não saber mais o que se quer. Não se trata apenas da dúvida comum ou do desconforto natural diante de escolhas difíceis. Trata-se de um estado psíquico mais radical: uma suspensão do desejo, uma falência temporária da bússola interna que organizava o mundo, o futuro e as promessas.
Essa dor — muitas vezes confundida com apatia, desânimo ou cansaço — é, na verdade, o sinal de que algo profundo foi tocado: a falência das velhas narrativas de sentido que antes davam coesão à vida. É um colapso interno que, embora doloroso, carrega uma possibilidade de reinvenção — se for suportado sem anestesia, sem fuga, sem a pressa de encontrar respostas fáceis.
Na vida a dois, essa experiência ganha contornos ainda mais complexos: porque o não saber o que se quer já não afeta apenas um, mas repercute como eco silencioso no espaço compartilhado.
II. O desejo cansado
Não saber o que se quer é, muitas vezes, um cansaço do desejo. Um desejo que se exauriu em tentativas de dar conta de expectativas externas, de papéis que se tornaram pesados demais para o corpo que os carrega.
É comum que, em relações longas, um ou ambos os parceiros acordem um dia e percebam que já não sabem mais se querem permanecer, mudar, reconstruir, partir. Não porque o amor acabou de forma clara e evidente, mas porque a linha que ligava o desejo ao projeto comum se enredou em espirais de dúvida e de esgotamento.
O desejo, como lembra Lacan, é estruturalmente falho, errante, descontínuo. E querer “saber” o que se quer — sempre, imediatamente, claramente — é uma exigência cruel que recai sobre sujeitos que já estão em estado de suspensão, fragilidade, luto silencioso.
III. A angústia da suspensão
A angústia que nasce do não saber o que se quer é a angústia da suspensão. Um estado em que o futuro se torna opaco, o presente parece desidratado de sentido, e o passado — outrora cheio de promessas — já não oferece o consolo da nostalgia.
A psicanálise ensina que a angústia é, muitas vezes, sinal de que algo essencial está tentando emergir — mas ainda sem nome, sem forma, sem direção. É o sofrimento da travessia entre modos antigos de ser e a possibilidade de novos modos que ainda não se constituíram.
Na vida a dois, essa travessia pode ser particularmente dolorosa: pois o outro, frequentemente, exige definições claras, posicionamentos rápidos, garantias que o sujeito suspenso não pode dar sem violentar sua própria verdade ainda em gestação.
IV. A pressão por respostas falsas
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