Há uma angústia contemporânea pouco nomeada, mas amplamente disseminada: o pavor de ser apenas mais um. Não se trata do desejo legítimo de autenticidade, mas de uma compulsão pela diferença. Ser ordinário é visto como falha de caráter. Ser indistinto, uma espécie de morte simbólica. E assim, silenciosamente, muitos passam a organizar a vida inteira em torno de uma demanda velada: provar que não são iguais aos demais.
Esse medo aparece de forma sutil. Pessoas que abandonam projetos porque não parecem originais o bastante. Que evitam profissões estáveis por achá-las previsíveis. Que vivem trocando de estéticas, de ideias, de lugares, não porque amadurecem, mas porque sentem que estão se tornando “genéricas”. Há até quem rejeite o amor quando ele se torna cotidiano demais. O comum vira sinônimo de fracasso. O reconhecimento é buscado não como consequência, mas como fundamento da própria existência.
A raiz dessa angústia é menos criativa do que parece. Muitas vezes, é defensiva. Um modo de evitar o confronto com a insignificância ontológica que nos atravessa. Afinal, somos todos substituíveis, esquecíveis, transitórios. A vida, em sua maioria, é composta de repetições, de gestos ordinários, de pequenas inutilidades. A ilusão de que podemos ser permanentemente únicos é uma armadilha do ego que não tolera desaparecer.
A indústria cultural reforça esse ideal: “seja você mesmo”, “crie sua própria narrativa”, “viva uma vida épica”. Mas o que se oferece como liberdade é, muitas vezes, um imperativo opressor. A singularidade se torna obrigação. A comparação vira vício. E a busca por diferenciação permanente nos torna escravos de uma performance infinita. A originalidade, nesse cenário, não é expressão — é defesa.
Na clínica, isso aparece como desorientação identitária. Gente que sente que nunca é suficiente, nunca é interessante o bastante, nunca causa o impacto que gostaria. Mas por trás dessa angústia está a recusa em aceitar a verdade mais libertadora e mais insuportável da vida adulta: você não vai ser extraordinário todos os dias. Nem precisa.
Como se libertar da prisão da singularidade compulsiva
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