Nem sempre o problema é sentir demais. Às vezes, o verdadeiro colapso é não sentir absolutamente nada. A vida segue, as tarefas são cumpridas, o rosto sorri em reuniões, o corpo responde como deve. Mas por dentro há um vazio sem nome, uma ausência de vibração, uma espécie de suspensão emocional. Nada comove, nada indigna, nada encanta. A alma está funcional, mas morta-viva.
Esse estado não é raro. É o efeito de anos de atravessamentos não digeridos, frustrações acumuladas, choques não elaborados. Quando a dor não encontra forma de elaboração simbólica, o psiquismo encontra outra saída: desligar. A anestesia psíquica não é preguiça, nem frieza, nem descaso. É defesa. Uma última tentativa do sujeito de preservar algum resto de si.
A cultura da performance chama isso de apatia. A psiquiatria, de depressão. O mercado, de falta de ambição. Mas o que está em jogo é algo mais profundo: o desejo foi desligado para que o sujeito não exploda. A pulsão foi abafada para que o mundo não seja sentido como ameaça total. E, nesse processo, o que se perde é o próprio acesso ao que se quer.
No consultório, essa anestesia aparece com frequência em quem foi treinado para ser forte demais, funcional demais, racional demais. Gente que não teve espaço para ser frágil, para desabar, para dizer que não dava conta. Em muitos casos, a anestesia atual é o legado de um passado onde sentir era perigoso: podia gerar punição, abandono ou caos. A indiferença foi aprendida como escudo.
O problema é que o escudo, com o tempo, vira prisão. E o sujeito passa a se confundir com a sua defesa. Já não sabe onde termina o mecanismo e onde começa o desejo. Viver anestesiado é mais seguro do que viver em carne viva, mas também é mais solitário, mais árido, mais ausente.
Como começar a descongelar uma vida emocional entorpecida
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